quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Um dia de cada vez....








Um dia de cada vez, sem olhar o calendário, sem olhar o espelho, sem olhar a natureza quieta, com a vida de mansinho a fervilhar por dentro dos troncos sem folhas.

Só a cadela além, do outro lado da rua, presa na corrente pesada, deitada de costas, a colher o calor do sol sobre o cimento, de patas erguidas. Aqui a toalha estendida no varal, a toalha bordada pela Mãe, as flores coloridas num desenho irregular sobre os quadrados do adamascado cru. Os guardanapos. O saco do edredão que faz esquecer os lençóis de bilros que não se usam mais. As azeitonas que restam, algumas ainda verdes. A magnólia cheia de promessas. A abóbora feia, torta, que ao primeiro golpe acende uma coloração de gema de ovo esplendorosa.

O silêncio da hora da sesta.

Não sei se o destino existe. Não sei também se somos nós que o determinamos, seja ele qual for. Sei que somos nós que escolhemos os destinos nas encruzilhadas da vida. E são tantas. A senda que nos parece certa numa determinada altura, porque a mais fácil, a mais plausível, a mais natural, foi um logro. Mas percorreu-se. Nem vale a pena voltar para trás, apenas procurar uma nova encruzilhada e arrepiar caminho. Olhar o trilho do sol e enquadrar o novo espaço com o nascente e o poente. Olhar os seres que cruzam os céus, os mares, ver como seguem a rota dos seus antepassados. Quem sou eu? Partir de onde vim e aprender com o que já percorri. Quero o fulgor do sol? O calor do deserto? A alvura da neve?

Bater as asas e deixar-me levar pelas correntes, dissolver-me no azul. Do céu. Do mar. Perder o horizonte.

Passar para a outra dimensão.

Jawaa